O advogado Enio Murad, de 51 anos, é o responsável pela denúncia que desbaratou esquema de conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS), em 2021, e cuja investigação feita pela Polícia Federal (PF) identificou indícios de venda de sentenças por parte de desembargadores do Tribunal de Justiça (TJMS).
A deflagração da Operação Ultima Ratio, na quinta-feira (24/10), que culminou no afastamento de cinco desembargadores, incluindo o presidente do Tribunal, foi celebrada por Murad. Ele teve a vida revirada, após enfrentar perseguições, ameaças e ter o carro alvejado, em um atentado sofrido em 2021, em Campo Grande (MS), por denunciar casos de corrupção no estado.
“Existe uma máfia muito pesada, que há muitos anos atua em Mato Grosso do Sul, e não envolve apenas venda de setenças. Passei oito anos da minha vida sendo perseguido, fui empobrecido, chamado de louco, mas hoje, depois de tudo que enfrentei, ver a Polícia Federal desbaratando esse esquema é um prêmio indescritível e a certeza de que vale a pena lutar”, diz Murad.
Tudo começou em 2015, quando o advogado era secretário-geral do Ministério Público de Contas de Mato Grosso do Sul (MPC-MS). À época, a PF investigava indícios de fraude em licitação e superfaturamento no contrato da coleta de lixo em Campo Grande. Em razão do cargo que ocupava, Murad foi procurado para prestar esclarecimentos e relatou a “vista grossa” feita pelas instituições do estado em relação ao caso.
Operações Lama Asfáltica e Mineração de Ouro
Como resultado da investigação, foi deflagrada, em várias fases, a Operação Lama Asfáltica. A empresa responsável pelo serviço de limpeza urbana teria cooptado integrantes do poder público, do TCE-MS e da Justiça para fraudar licitação e manter o contrato ativo. De imediato, Murad, que foi testemunha-chave no caso, passou a sofrer coação e ameaças, chegando a pedir exoneração do cargo.
O Metrópoles mostrou no dia 25 de outubro que a Operação Ultima Ratio, deflagrada contra desembargadores do estado, é resultado de operações e investigações anteriores, e tudo começou com a Lama Asfáltica e a denúncia feita por Enio Murad. “Eu me uni à PF e fiquei trabalhando ao lado deles”, relata o advogado.
Durante as diligências, a polícia chegou a informações e conteúdos de interceptações telefônicas que sugeriam a participação de conselheiros do TCE-MS no esquema criminoso de desvio de recursos públicos. Em virtude disso, os autos foram encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que autorizou a abertura de inquérito para investigar o caso.
Entre 2015 e 2021, Murad, que era advogado conhecido e professor universitário, viveu sob tensão em Campo Grande. Além da exoneração do cargo, ele se afastou das demais atividades, perdeu renda, se divorciou e foi convidado pela PF a fazer parte do programa de proteção à testemunha, após sofrer atentado e ter o carro alvejado em perseguição pelas ruas da cidade.
O quadro só mudou com a deflagração da Operação Mineração de Ouro, em 2021, resultado do inquérito instaurado para investigar os conselheiros do TCE-MS.
Com o afastamento dos investigados, que passaram a usar tornozeleira eletrônica, todos perceberam que Murad não estava tão errado assim sobre o que havia denunciado e ele pôde retomar parte das atividades profissionais.
Advogado vive em São Paulo e diz ter medo de ir a Campo Grande
O advogado diz que recusou a entrada no programa de proteção à testemunhas, por não querer se submeter às regras impostas, tampouco às mudanças bruscas que isso resultaria em sua vida.
Hoje, Murad vive em São Paulo e diz que costuma ir a Campo Grande, às vezes, mas sempre com medo e cautela. “Eu me sinto inseguro lá. Vou, frequento, mas não consigo sair na rua. Entro em pânico”, diz ele.
A operação contra os conselheiros do TCE, em 2021, após denúncia de Murad, cumpriu 20 mandados de busca e apreensão contra os investigados, com o intuito de esclarecer suspeitas de venda de decisões, enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro e contratação de funcionários fantasmas. O material apreendido pela PF revelou, no entanto, um esquema ainda maior.
Os documentos sugeriram a venda de sentenças e participação em esquema criminoso não só de conselheiros do Tribunal de Contas, mas também de desembargadores do TJMS.
Foi a partir disso que a PF começou a investigar os magistrados, desencadeando na Operação Ultima Ratio, deflagrada no dia 24 de outubro e cujo nome refere-se ao termo do direito segundo o qual a Justiça é o último recurso do poder público para parar a criminalidade.
Ao todo, cinco desembargadores foram afastados dos cargos, após determinção do STJ. São eles: Sérgio Fernandes Martins, presidente do TJMS, Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel e Marco José de Brito Rodrigues. Eles devem, ainda, usar tornozeleira eletrônica, estão proibidos de acessar as dependências do Tribunal e de se comunicar entre si.
“Existe uma máfia institucionalizada em Mato Grosso do Sul. E é muito maior do que veio à tona, até então. Tem muito mais. Paguei um preço caro, mas preferi, ao invés de me esconder, ir com força para cima deles. Se eu tivesse recuado e ido para o programa de proteção à testemunhas, talvez não teria acontecido tudo isso que aconteceu”, expõe Enio Murad.