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Sobre a queda de Lula e o direito de saber sobre a saúde do governante

A propósito do acidente doméstico de Lula, no fim de semana, é sempre importante lembrar que a saúde de um governante não é de domínio privado, mas público.

Os cidadãos de uma democracia têm o direito de saber se quem está à frente do país goza de perfeitas condições físicas e mentais para continuar a exercer a sua função.

Lula sofreu uma queda no banheiro em circunstâncias não inteiramente explicadas. Ao que tudo indica, ele estava sentado em um banco, que escorregou, fazendo com que caísse para trás e batesse a parte posterior da cabeça no chão.

Por que Lula estava sentado em um banco no banheiro? Seria para tomar banho? Ele operou o quadril em setembro, colocou uma prótese, sentar-se na hora da higiene sob o chuveiro costuma ser uma recomendação para a maior segurança do paciente — e talvez tenha faltado colocar um tapete antiderrapante sob o banco. É uma suposição, visto que não foram dadas informações exatas e os repórteres não se interessaram em apurar melhor a história.

Ninguém está livre de cair no banheiro, em qualquer idade, mas a preocupação é maior, naturalmente, quando um senhor de 78 anos vai ao chão. Segundo o Ministério da Saúde, “as quedas são a terceira causa de mortalidade entre as pessoas com mais de 65 anos no Brasil e 70% acontecem dentro de casa. Mesmo que não provoque a morte, a queda pode trazer consequências graves para os idosos incluindo fraturas, internações, redução da independência e depressão”.

A queda de Lula se insere em um contexto de dúvida sobre a sua candidatura à reeleição em 2026. Ele terá condição física de enfrentar a maratona de uma campanha presidencial? E, se bater o opositor, terá energia para completar o seu mandato?

De acordo com os médicos, o acidente doméstico não acarretou maiores consequências, o presidente teve um traumatismo craniano que causou pequenas hemorragias compatíveis com um quadro que não inspira preocupações.

Ainda assim, os doutores que atendem Lula recomendaram que ele não viajasse à Rússia para participar da reunião dos Brics, o que poupou o Brasil de ter o seu presidente posando para fotos ao lado dos dirigentes do Eixo do Mal presentes em Moscou e, possivelmente, falando enormidades sobre Ucrânia e Israel.

Como já dito, os cidadãos de uma democracia têm o direito de saber sobre o estado de saúde dos seus governantes, mas nem sempre este direito é respeitado.

A Casa Branca e o Partido Democrata americano esconderam dos eleitores que o presidente Joe Biden estava debilitado física e mentalmente para se recandidatar, apesar de todas as evidências em contrário.

Quando os republicanos questionavam a capacidade de de Joe Biden exercer o seu cargo, eram tachados de propagadores de fake news —até que, durante a transmissão do primeiro debate dele com Donald Trump, ficou escandalosamente claro que o presidente democrata estava com a saúde comprometida e não teria como permanecer mais quatro anos no comando dos Estados Unidos, caso fosse reeleito.

A redemocratização do Brasil também começou sob o signo de uma mentira, em 1984. Tancredo Neves, presidente eleito, foi internado às pressas por causa de uma diverticulite e já estava praticamente condenado a morrer quando o seu entourage encenou a farsa da fotografia na qual ele aparece sentado, no quarto do hospital, sorridente e cercado por médicos igualmente risonhos, como se estivesse em franca recuperação.

Esconder o estado de saúde de um governante é prática comum nas ditaduras. O caso mais emblemático é o do ditador soviético Josef Stálin.

Em 1953, ano da sua morte, ele já se encontrava muito debilitado por causa de um infarto e de uma série de derrames sofridos em 1945 — e sobre os quais os cidadãos da União Soviética nada sabiam.

Submetido a check-up em 1951, os resultados levaram a que o seu médico pessoal recomendasse que Stálin diminuísse a quantidade de horas trabalhadas. O médico foi preso e acusado de ser espião a serviço dos ingleses.

No início de 1953 — ele morreria em 5 de março —, o ditador promoveu um expurgo na equipe médica do Kremlin, composta por muito judeus, acusando-a de a ter matado altos oficiais soviéticos. O crime dos “médicos-assassinos” era saber o real estado de saúde do camarada Stalin.

O historiador britânico Simon Sebag Montefiore, autor da excelente biografia Stálin — A Corte do Czar Vermelho, descreve o terror que tomou conta dos áulicos do ditador soviético ao se darem conta de que havia ocorrido de algo de muito grave com ele, nos aposentos privados da dacha em Kuntsevo, em 1º de março.

Stálin havia sofrido um derrame no início da noite, mas, como ninguém tinha coragem de ir vê-lo sem ser chamado, ele só foi socorrido por volta das 22h. Socorrido é modo de dizer, porque, com medo de cair em desgraça, ninguém também queria chamar um médico para verificar por que ele foi encontrado caído no chão, emitindo roncos estranhos.

Simon Sebag Montefiore descreve o que se seguiu da seguinte forma:

“O amanhecer caiu sobre os abetos e bétulas de Kuntsevo. Passavam-se agora doze horas do derrame e Stálin ainda roncava no sofá, úmido de sua própria urina. Os maiorais do regime certamente discutiram se deveriam chamar os médicos. Era extraordinário que não o tivessem feito em doze horas, mas se tratava d uma situação extraordinária. Isso é, em geral, usado como prova de que deixaram Stálin deliberadamente sem socorro médico a fim de matá-lo. Mas, na situação frágil em que estavam, numa corte já cercada pela paranoia dos médicos-assassinos, não era exagero ter medo. O próprio médico de Stálin estava sob tortura apenas por ter dito que ele deveria repousar. Se Stálin acordasse se sentido apenas grogue, teria considerado o próprio ato de chamar os médicos uma tentativa de tomarem o poder. Ademais, estavam tão acostumados com o seu controle que mal funcionavam por conta própria.”

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