Na última semana, vimos uma promessa de Donald Trump se concretizar ao promover o cessar-fogo entre Israel e Hamas, um gesto que muitos classificaram como digno do Prêmio Nobel da Paz. Bastou essa frase circular para que o mundo o julgasse, a favor ou contra, não pelo mérito do que foi feito e sim, se é a favor da figura que representa o feito.
Vivemos um tempo em que o julgamento virou reflexo. Se antes era preciso conhecer para opinar, hoje basta ver um pequeno trecho, ler uma manchete, ver um fragmento de imagem para sentir antipatia. Criamos uma cultura em que reagir é mais fácil do que compreender. E o que antes era engajamento virou entretenimento moral.
Julgar virou um passatempo. Compreender, um esforço em extinção.
A pressa em formar opinião é o sintoma mais refinado da ansiedade. O cérebro, ao antecipar o perigo, libera cortisol e ativa o sistema de alerta. O mesmo mecanismo que salva a vida em uma emergência agora define o que chamamos de posicionamento.
O ansioso antecipa tragédias. O preconceituoso antecipa culpas. E ambos agem pelo medo.
O Nobel da Paz é a ironia perfeita disso tudo. Foi criado por Alfred Nobel, o inventor da dinamite, que um dia leu seu próprio obituário por engano e se viu descrito como o mercador da morte. Em vez de reagir, refletiu. Decidiu usar a culpa como herança. Criou o prêmio para homenagear quem fizesse o oposto do que ele fez: construir em vez de explodir.
O prêmio que nasceu da destruição se tornou o símbolo da reparação.
O problema é que seguimos explodindo, só trocamos as armas. Hoje, o ataque é um tweet, o campo de guerra é um feed. Explodimos primeiro, ferimos e nem nos preocupamos depois.
A diferença é que Nobel deixou um legado. Nós deixamos explosões com a sensação de um ato heroico permissível quando não há necessidade em ver o olhar ou a tristeza provocada. A empatia sumiu com a cultura do narcisismo.
A neurociência explica o que a internet confirma. Quando nos indignamos, o sistema límbico assume o comando e silencia o raciocínio. Cada curtida é uma dose de dopamina, cada crítica, uma descarga de poder. Julgar é o novo vício social.
A raiva dá sentido. A dopamina recompensa. E o ciclo de indignação continua.
Freud dizia que projetamos no outro aquilo que não suportamos enxergar em nós. Talvez, por isso, criticar o outro traga tanto alívio, é o nosso medo sem olhar no espelho.
Somos perfeitos?
A raiva é só a ansiedade que aprendeu a falar alto.
Nos relacionamentos, o mesmo script se repete. Discutimos para vencer, não para entender. Criamos muros de opinião onde antes existiam pontes de vínculo.
Toda relação que perde o benefício da dúvida começa a morrer pelo excesso de certeza.
A política é o espelho ampliado desse comportamento.
Queremos líderes que digam o que pensamos, não que nos façam pensar. Queremos paz, mas sem o desconforto da escuta. Queremos harmonia, desde que o outro se cale primeiro.
A paz, porém, não nasce de discursos. Ela exige o intervalo entre o estímulo e a resposta. O espaço onde a raiva se dissolve e o diálogo começa. É nesse silêncio que a maturidade emocional acontece. Mas o silêncio não dá curtida.
Alfred Nobel criou o prêmio para transformar culpa em consciência. Um século depois, o que era símbolo de reparação virou palco de vaidades.
Um novo prêmio da paz precisa ser criado: ele pertence a quem consegue se conter antes de reagir. Esse autocontrole é o que mais falta nas relações reais. Criamos vínculos digitais com quem parece pensar como nós e chamamos isso de afinidade. Mas talvez seja só uma solidão bem disfarçada.
A paz, em qualquer escala, é filha do tempo e da escuta. Exige o intervalo, o respiro, o não saber.
E talvez o maior desafio do nosso tempo seja aceitar o que nos falta.
E no final você pergunta: mas quem está certo?
Onde todos, finalmente, aprendemos a concordar em discordar.