Agronegócio
o calcanhar de Aquiles do agro brasileiro
A escalada do conflito entre Israel e Irã reacendeu um alerta preocupante para o agronegócio brasileiro: a possível disparada nos preços da ureia e de outros fertilizantes.
Em um cenário de queda nas cotações internacionais das commodities agrícolas, a combinação entre custos crescentes e receitas em baixa pode corroer drasticamente a já apertada margem de lucro do produtor rural.
O Brasil é extremamente vulnerável nesse campo. Segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), o país importa cerca de 85% dos fertilizantes que consome anualmente — sendo que, no caso específico da uréia, a produção nacional atende a menos de 20% da demanda.
Cerca de 20% da ureia consumida pelo Brasil vem do Irã, país diretamente envolvido na atual tensão geopolítica, o que agrava ainda mais a possibilidade de ruptura no fornecimento.
A China e a Índia, por sua vez, são os maiores produtores e consumidores globais de ureia. Nesses países, o arroz é a principal cultura consumidora do insumo, seguido pelo trigo e outros grãos.
Já no Brasil, a principal cultura que demanda ureia é o milho, seguida pela cana-de-açúcar e pela soja, três pilares da nossa produção agrícola. Isso reforça o impacto direto que qualquer oscilação no mercado internacional terá sobre o custo de produção das nossas lavouras.
Estratégia equivocada do passado
Esse grau de dependência não é fruto do acaso, mas de uma decisão estratégica equivocada adotada no passado. Com os preços internacionais dos fertilizantes — especialmente os nitrogenados — mais baixos que os nacionais, o Brasil optou por importar em vez de estimular a produção interna.
Essa escolha levou a Petrobras a desativar diversas plantas de produção de fertilizantes nitrogenados, como as unidades em Sergipe e na Bahia. Embora consideradas deficitárias na época, tais decisões revelaram-se erros estratégicos graves, sobretudo para um país que está entre os maiores produtores agrícolas do mundo.
Além disso, Israel é fornecedor de cloreto de potássio para o Brasil, nutriente essencial para a fertilização do solo e o bom desenvolvimento de culturas como soja, milho e algodão.
A instabilidade no Oriente Médio, especialmente com riscos de fechamento de rotas marítimas ou sabotagem em infraestrutura logística, pode comprometer o fornecimento e pressionar ainda mais os preços desses insumos.
Outro fator agravante é o aumento do preço do petróleo, que, além de elevar o custo dos próprios fertilizantes nitrogenados (como a ureia, que depende do gás natural), impacta diretamente o frete marítimo e terrestre, encarecendo o custo de importação e distribuição dos insumos.
O que o produtor pode fazer?
Diante desse cenário, quais estratégias os produtores podem adotar para ajudar a mitigar os riscos?
- Antecipação e compras programadas: produtores que têm capacidade de armazenagem e acesso a crédito podem se beneficiar da antecipação na compra de fertilizantes, evitando a exposição à alta nos momentos de pico. Firmar contratos antecipados com fornecedores também é uma estratégia para garantir preços e disponibilidade.
- Uso racional de insumos e agricultura de precisão: com margens estreitas, o uso eficiente dos recursos ganha ainda mais importância. Técnicas de agricultura de precisão, como mapeamento de solo e aplicação localizada de fertilizantes, ajudam a reduzir o desperdício e melhorar o retorno sobre o investimento.
- Substituição e diversificação de fontes: em algumas regiões, é possível substituir parcialmente a ureia por outras fontes de nitrogênio, como sulfato de amônio ou adubação orgânica. Além disso, buscar fornecedores alternativos pode reduzir a dependência de mercados geopolíticos instáveis.
- Integração com pecuária e uso de matéria orgânica: sistemas integrados de produção, como a integração lavoura-pecuária (ILP), favorecem o uso de resíduos orgânicos e pastagens bem manejadas, o que pode reduzir a dependência de fertilizantes minerais ao longo do tempo.
- Renegociação de contratos e cooperativismo: a atuação conjunta por meio de cooperativas ou associações de produtores pode fortalecer o poder de barganha na compra de insumos, além de facilitar o acesso a crédito mais barato e suporte técnico. A renegociação de contratos com fornecedores e instituições financeiras também se torna essencial para ajustar prazos e garantir viabilidade financeira.
- Travamento de preços no mercado futuro: em tempos de incerteza, travar preços de commodities agrícolas na bolsa é uma forma eficaz de proteger a receita esperada. Com os custos de produção sob ameaça, garantir um valor mínimo de venda no mercado futuro pode ser decisivo para preservar a rentabilidade, especialmente em culturas com grande liquidez, como soja, milho e café. Essa ferramenta de hedge ajuda a alinhar melhor os custos e a comercialização, mesmo em cenários de volatilidade.
Conclusão
A guerra no Oriente Médio expõe uma fragilidade estrutural do agronegócio brasileiro: a dependência externa de insumos estratégicos. Diante da combinação explosiva entre o possível aumento do custo da ureia, o encarecimento do frete e a queda das commodities, o produtor precisa agir de forma pragmática, adotando estratégias técnicas, financeiras e coletivas.
Mais do que nunca, a gestão eficiente será decisiva para manter a rentabilidade no campo — e talvez seja também o momento de o país repensar sua política industrial para fertilizantes, recuperando a capacidade nacional de produção e garantindo segurança estratégica para o setor mais dinâmico da economia brasileira.
*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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