O Brasil perde seis vidas por hora para a comida que mata — e eu decidi reagir

Imagem gerada por inteligência artificial (IA)

Estamos em guerra. E o inimigo não usa farda — usa embalagem. O Brasil perde seis pessoas por hora para doenças causadas pelo consumo de alimentos ultraprocessados. São mais de 50 mil brasileiros por ano, vítimas de um sistema que transformou o ato de comer em um negócio bilionário, no qual a saúde virou um detalhe de marketing.

Durante décadas, a publicidade nos ensinou que cozinhar era atraso, que a pressa era virtude e que o sabor podia ser substituído por “eficiência nutricional”. O golpe foi sutil, mas devastador: trocaram o cheiro da panela pelo ruído da embalagem. E quando percebemos, já estávamos viciados em conveniência.

Não sou o mais habilitado para trazer este assunto. Nao sou nutricionista, médico, político, sou apenas um gordo autodidata. Escrevo como alguém que vive essa guerra diariamente. Tenho 61 anos e sofro com o excesso de peso. Há anos venho tentando entender como cheguei até aqui. Como alguém que dedicou 35 anos da vida ao alimento de verdade, ao feijão, à agricultura, à comida que vem da terra, pôde ser vencido por um sistema que promete praticidade, mas entrega dependência.

Fui atrás das respostas e descobri algo incômodo: a mesma indústria que vende produtos cheios de aditivos e promessas também investe nas empresas que fabricam os medicamentos que tratam as doenças causadas por esses produtos. É um círculo de lucro perfeito — adoecer, vender, tratar, lucrar de novo. Isso não é teoria conspiratória, é lógica de mercado. E diante disso, me perguntei: sou vítima ou cúmplice? A resposta doeu. Enquanto eu ficar em silêncio, sou cúmplice. Por isso decidi reagir.

O excesso de peso é apenas a ponta visível de uma dor muito mais profunda. Por trás de cada corpo cansado há histórias de vergonha, culpa, exclusão, bullying e ansiedade. Vivemos em uma sociedade que cobra disciplina, mas ignora manipulação. O problema não está na força de vontade das pessoas, mas na força do sistema que as conduz. Não é falta de caráter, é falta de verdade.

Enquanto isso, o campo segue resistindo. O produtor que planta feijão, arroz, mandioca e gergelim continua sendo o guardião silencioso da saúde do país. Mesmo pressionado pelo mesmo processo que todos nós o campo ainda fala a língua da verdade.

Foi nesse espírito que lançamos, no 10º Fórum Brasileiro do Feijão, aprovado na Câmara Setorial, o Movimento Pró-Feijão. Ele prevê em uma das verticais a necessidade da necessidade de reagir a essa epidemia invisível. Não é uma simples campanha de marketing. Há necessidade de uma força-tarefa nacional em defesa da comida de verdade, do produtor ao consumidor.

O braço social do movimento é o Viva Feijão, que começa nas escolas, nas famílias e nas redes sociais. Queremos resgatar o orgulho do prato feito brasileiro e ensinar às crianças que cozinhar é um ato de amor, não de atraso. O feijão é o alimento mais democrático do país. Está na marmita do trabalhador e no restaurante mais sofisticado. Ele é o elo entre o campo e a cidade, entre o passado e o futuro, entre o que fomos e o que ainda podemos ser.

Entre outras propõe as Rotas do Feijão. Vamos mostrar ao Brasil a riqueza dos nossos terroirs. O feijão-preto do Paraná, o carioca de Goiás, o vermelho do sul de Minas, o rajado do noroeste mineiro o caupi de Mato Grosso e Nordeste — cada variedade tem um sabor, uma história, uma pesquisa, um rosto por trás. O consumidor precisa saber quem estudou aquela semente, quem cruzou as variedades, quem colheu, quem garantiu o sabor que chega à mesa. Quando conhecemos a origem, valorizamos. E quando valorizamos, protegemos.

Mas para virar o jogo, precisamos de todos. Médicos, nutricionistas, professores, advogados, comunicadores e publicitários. Precisamos dos melhores craques do marketing, agora do lado certo. A mesma inteligência que convenceu o mundo a comprar comida que mata pode convencer o país a voltar a comer o que o cura.

Grandes podcasts como Flow, Inteligência Limitada e todos os que entenderem o tamanho do problema e do desafios. Também precisamos dos influenciadores do bem — gente como Rita Lobo, Bela Gil, Rodrigo Hilbert, atletas como Neymar, Popó e tantos outros que possam emprestar suas vozes e suas redes para algo que vale infinitamente mais do que um contrato: salvar vidas.

Depois de 35 anos dentro deste setor, não posso mais ficar calado. Não quero que meu silêncio seja uma forma de conivência. O que está em jogo não é apenas o mercado de alimentos — é o futuro de um país inteiro.

A guerra está em curso. Mas nós temos as armas certas: informação, afeto e muito feijão com arroz. O feijão é o símbolo dessa resistência — o herói do prato brasileiro. A cura começa na mesa, e o futuro do país começa quando tivermos coragem de encarar a verdade. Porque se o inimigo são as mentiras dos ultraprocessado, a nossa arma é a verdade.

*Marcelo Lüders é presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), e atua na promoção do feijão brasileiro no mercado interno e internacional


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