Líbano aceita proposta dos Estados Unidos para desarmar Hezbollah

Os Estados Unidos apresentaram ao Líbano uma proposta para desarmar o Hezbollah até o final do ano, de acordo com uma cópia da agenda do gabinete libanês analisada pela agência Reuters. O plano também inclui o fim das operações militares de Israel no país e a retirada de suas tropas de cinco posições no sul do Líbano. A proposta, apresentada pelo enviado dos EUA para a região, Tom Barrack, estabelece os passos mais detalhados até agora para desarmar o Hezbollah, milícia xiita apoiado pelo Irã. A facção rejeitou crescentes pedidos para abandonar a luta armada desde a guerra com Israel no ano passado.

Segundo o ministro da Informação libanês, Paul Morcos, Beirute concorda com os objetivos e com a retirada de tropas israelenses, mas não discutiu detalhes de implementação. O Departamento de Estado americano não respondeu a perguntas da Reuters. Ministros do governo de Beirute não puderam ser contatados.

Os representantes do Hezbollah se retiraram da reunião do gabinete desta quinta-feira (7) em protesto contra as discussões da proposta. A organização xiita é apoiada pelo Irã e uma das forças militares não-estatais mais poderosas do planeta. O grupo afirma que tratará a proposta “como se ela não existisse”, abrindo caminho para uma perigosa crise.

Israel lançou golpes significativos ao Hezbollah em uma ofensiva no ano passado, o clímax de um conflito que começou em outubro de 2023, depois que a facção libanesa abriu fogo contra posições israelenses na fronteira ao declarar apoio ao Hamas no início da guerra em Gaza. Esses golpes incluíram a morte do então líder do grupo, Hassan Nasrallah.

A proposta dos EUA visa “estender e estabilizar” um acordo de cessar-fogo entre Líbano e Israel negociado em novembro. “A urgência desta proposta é sublinhada pelo número crescente de reclamações sobre violações israelenses do atual cessar-fogo, incluindo ataques aéreos e operações transfronteiriças que arriscam desencadear um colapso do frágil status quo”. A fase 1 da proposta exige que o governo de Beirute emita um decreto dentro de 15 dias comprometendo-se com o desarmamento completo do Hezbollah até 31 de dezembro de 2025. Nesta fase, Israel também cessaria operações militares terrestres, aéreas e marítimas.

A fase 2 exige que o Líbano comece a implementar o plano de desarmamento dentro de 60 dias, com o governo aprovando “um plano detalhado de implantação [do exército libanês] para apoiar o plano de colocar todas as armas sob a autoridade do Estado”. Este plano especificará alvos para serem desarmados. Durante a fase 2, Israel começaria a se retirar das posições que mantém no sul do Líbano, e prisioneiros libaneses detidos por Tel Aviv seriam libertados em coordenação com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

Já na fase 3, dentro de 90 dias, Israel se retirará dos dois últimos pontos que mantém. Há garantias de financiamento para iniciar a remoção de escombros no Líbano e a reabilitação da infraestrutura em preparação para reconstrução.

Na fase 4, dentro de 120 dias, as armas pesadas restantes do Hezbollah devem ser desmanteladas, incluindo mísseis e drones. Nesta última fase, EUA, Arábia Saudita, França, Qatar e outros países organizarão uma conferência para apoiar a economia libanesa e a reconstrução do país e para “implementar a visão do presidente Trump para o retorno do Líbano como um país próspero e viável”.

Resistência do Hezbollah

O plano, cuja aprovação pelo gabinete foi celebrada pelo embaixador americano no Líbano, Tom Barrack, tem um grande adversário: o Hezbollah. Na véspera da aprovação, o grupo afirmou em comunicado que o plano havia sido “ditado” pelos EUA, que o governo do premiê Nawaf Salam estava cometendo “um grande pecado ao retirar do Líbano as armas para resistir a Israel”, e que trataria a proposta “como se ela não existisse”. Nesta quinta-feira (7), os ministros do Hezbollah e do Movimento Amal, também xiita, participaram da discussão sobre o projeto, “mas se retiraram antes da votação”, segundo Paul Morcos.

Por vezes chamado de “Estado dentro de um Estado”, e principal força política do Líbano nas últimas décadas, o Hezbollah sofreu perdas consideráveis durante a ofensiva israelense do ano passado, a começar por seu longevo líder, Hassan Nasrallah, morto em um bombardeio. Boa parte de seu arsenal, composto por dezenas de milhares de mísseis e foguetes, foi obliterado, e milhares de combatentes morreram. A queda do regime de Bashar al-Assad na Síria, em dezembro do ano passado, eliminou um aliado e uma importante rota de abastecimento, especialmente militar, com o Irã.

Mesmo com o Hezbollah enfraquecido, o governo adotava um tom cauteloso, evitando um confronto político com o grupo e com parte da população xiita do Líbano. A nova posição ameaça colocar em risco o equilíbrio moldado após o fim da guerra civil no Líbano, encerrada em 1990. A guerra civil libanesa eclodiu em 1975 em meio a conflitos étnico-religiosos que ocorriam desde que a região estava sob controle do Império Otomano (séculos XIV-XX). O conflito envolveu cristãos do Partido Falangista, muçulmanos e judeus israelenses.

Historicamente, o presidente do país é sempre cristão, o premiê é muçulmano sunita e o líder do Parlamento é xiita. As tensões sociais decorrentes desse arranjo levaram a um acirramento de disputas e a formação de milícias, que levaram à eclosão da guerra civil. A situação piorou com o envolvimento da Síria, que ocupou o leste do Líbano em 1976, e de Israel, que tomou o sul em 1978. Já em 1982 Israel cercou a capital, Beirute, levando o conflito a um de seus momentos mais dramáticos. O Hezbollah surgiu nesse contexto, com financiamento do Irã e se apresentando como uma força de resistência contra a ocupação israelense.

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“O Hezbollah ainda é forte no estado por causa do monopólio [que tem] sobre a representação xiita, bem como pela nomeação de figuras-chave”, afirmou à rede al-Jazeera o deputado Mark Daou, do partido Taqaddum.

Mas na terça feira (5), após uma reunião de Gabinete, o premiê libanês, Nawaf Salam, reafirmou o “dever do Estado de monopolizar a posse de armas”, e o presidente Michel Aoun determinou que o Exército crie um plano para que todos armamentos pesados estejam, até o fim do ano, sob controle das Forças Armadas. Para analistas, o anúncio é resultado da pressão americana por resultados imediatos – vide o plano aprovado nesta quinta-feira -, que não leva em consideração questões políticas locais.

“Este processo é muito perigoso do jeito que está se desenrolando. Na verdade, ele consolidará e empurrará setores potencialmente ainda mais amplos da parcela xiita da sociedade libanesa para o lado do Amal e do Hezbollah, em vez de para a consolidação nacional”, disse ao jornal britânico The Guardian Joseph Daher, autor de “Hezbollah: a Economia Política do Partido de Deus”.

Em declarações transmitidas pela TV do Hezbollah na terça-feira, o líder do grupo, Naim Qassem, reafirmou que não pretende entregar suas armas. “A Resistência (termo usado para se referir ao grupo) está bem, forte e pronta para lutar pela soberania e independência do Líbano. O Hezbollah fez grandes sacrifícios para defender o Líbano contra a agressão israelense”, disse ele. (Com agências internacionais).

*Com informações do Estadão Conteúdo

Publicado por Nícolas Robert