A disputa entre Flamengo e a Liga do Futebol Brasileiro (Libra) avançou para o campo jurídico e das notas oficiais. O clube carioca conseguiu uma liminar na Justiça do Rio de Janeiro que bloqueia o repasse de R$ 77 milhões, referentes a uma parcela do contrato de direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, assinado entre a Libra e a TV Globo em 2024. A decisão gerou reação de outros clubes do bloco, especialmente do Palmeiras.
O Flamengo argumenta que há falhas no estatuto da Libra quanto à divisão das receitas de audiência, justificando a medida judicial. Em nota, o clube listou “fatos e fakes”, garantindo que não busca uma “virada de mesa”, que deseja diálogo e que cumpre os contratos, mas entende que os critérios precisam ser detalhados. Segundo o Rubro-Negro, as assembleias realizadas em maio e agosto deste ano não resultaram em unanimidade, e a liminar visa corrigir essa situação.
Em resposta, a Libra publicou nesta sexta-feira um texto crítico à postura do Flamengo, acusando o clube de interromper o diálogo e de distorcer fatos para obter apoio midiático. A entidade afirma que o estatuto prevê os critérios de distribuição de receitas, que a proposta do Flamengo de alterar a métrica para cadastro de torcedores foi rejeitada pela maioria dos clubes e que a liminar não se justificaria diante do contrato vigente, válido até 2029 e com previsão de R$ 6 bilhões em benefícios.
O bloqueio da verba afetou 14 clubes da Libra, incluindo Palmeiras, São Paulo, Santos e Atlético-MG. O Alviverde, que deixará de receber cerca de R$ 12 milhões desta parcela, divulgou nota oficial repudiando a ação do Flamengo e prometeu recorrer judicialmente para buscar indenização pelos prejuízos.
Em entrevista à ge TV, a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, criticou duramente a postura do clube carioca, comparando-a à de “terraplanistas” e defendendo que nenhum time deve se colocar acima do futebol brasileiro. “São os terraflamistas”, ironizou a dirigente. Ela também sugeriu a criação de uma liga sem o Flamengo caso o impasse persista.
A Libra recorreu da liminar, e o caso segue em segredo de Justiça, com possibilidade de novos desdobramentos nas próximas semanas. Fazem parte do grupo Atlético-MG, Bahia, Flamengo, Grêmio, Palmeiras, Red Bull Bragantino, São Paulo, Santos, Vitória, Paysandu, Remo, ABC, Guarani e Sampaio Corrêa.
Leia a nota estilo ‘fato ou fake’ emitida pelo Flamengo
“Fake”
- É falso que o Flamengo não queira participar de uma Liga. Se fosse o caso, não teria ingressado na Libra
- É falso que o Flamengo esteja buscando uma “virada de mesa”. O clube respeita os contratos — basta consultar todas as atas de reuniões para comprovar
- É falso que o Flamengo negue ter assinado contrato e queira reverter suas condições, mudando a regra do jogo. A convocação da Assembleia Geral da Libra em maio de 2025 é clara: convoca para a votação e aprovação de cenários relativos à audiência na venda dos direitos de transmissão
- É falso que o Flamengo esteja pleiteando receber de volta R$ 100 milhões
- É falso que tenha sido acordada qualquer definição de percentuais de audiência. O Estatuto é omisso nesse ponto. Por isso, a assembleia-geral da Libra teve que deliberar sobre a lacuna existente no estatuto. Não houve uma conclusão. O Flamengo votou contra a opinião dos demais clubes. Mesmo assim, a Globo pagou as parcelas, segundo o cenário proposto pela Libra, o que é ilegal, pois fere a unanimidade do Estatuto
“Fato”
- O Flamengo está cumprindo o Estatuto. Acontece que o Estatuto precisa ser complementado. Do Estatuto não constam os percentuais de audiência dentro dos 30% destinados a essa fatia na divisão dos direitos de transmissão — justamente o ponto que precisa ser regulamentado
- O Flamengo sempre buscou diálogo. A Liga apresentou cinco opções de cenários e o Flamengo acrescentou mais uma. Após a assembleia de agosto, o Flamengo procurou três clubes para negociar. Nos encontros, o Flamengo reiterou a proposta de se ter um cenário alternativo para 2025 (cenário 4) e discutir um critério para os anos de 2026 a 2029. Nenhum clube aceitou discutir nada, mantendo postura irredutível
- O Flamengo sempre esteve aberto a acordo, mas nem a Libra nem os clubes apresentaram qualquer contraproposta em qualquer momento, desde fevereiro de 2025
- Não há qualquer documento que comprove a definição dos percentuais de audiência
- O Estatuto tem uma regra de transição que assegura, a todos os clubes, receber um valor mínimo garantido nos anos de 2025 a 2029, equivalente à quantia recebida em 2023 corrigido pelo IPCA. Se esta regra do Estatuto tivesse sido respeitada em 2025, o Flamengo receberia R$ 321.181.432 nesse ano
- Ao considerar como válida uma aprovação irregular (sem unanimidade) e distribuir recursos sem respaldo estatutário, (pagamentos feitos pela Globo) a Libra age de forma ilegal
Confira a resposta da Libra
Observamos com surpresa a postura do Clube de Regatas do Flamengo de, por um lado, requerer segredo de justiça em uma ação judicial e, por outro, divulgar à imprensa informações selecionadas e distorcidas, induzindo até mesmo parte da imprensa especializada a erro e disseminando desinformação.
Diante dessa postura, a LiBRA, em seu compromisso com a transparência, com o diálogo e com o fortalecimento do futebol brasileiro, apresenta alguns esclarecimentos fundamentais entre o que é verdadeiro e o que é falso dentro das declarações feitas pelo clube.
1. É falso afirmar que o Flamengo deseja o diálogo. Quem interrompeu o diálogo foi o Flamengo, com medida liminar sem urgência, obstruindo o fluxo de caixa dos demais clubes da Libra, com o objetivo de pressioná-los economicamente, e sem que estes sequer tenham sido ouvidos no processo. Ato que contradiz o espírito associativo e é o exato oposto do diálogo. A LiBRA representa a vontade coletiva de seus membros em construir uma futura liga robusta e sustentável para o futebol brasileiro na busca por soluções que beneficiem a todos e não só ao Flamengo.
2. É falso que o Estatuto da LiBRA seja omisso sobre os critérios de distribuição de receitas de audiência. A regra de distribuição da receita negociada coletivamente pela LiBRA está descrita no Estatuto. Foi aprovada em Assembleia Geral. Por unanimidade. Inclusive pelo próprio Flamengo. E sem ressalvas. Portanto, também é falso que o Clube não tenha concordado com a forma de determinação de audiência descrita no Estatuto da LiBRA.
3. Cadastro não é audiência, e é falso que o Flamengo queira respeitar a decisão dos demais clubes. Insatisfeito com o critério de audiência previsto no Estatuto da LiBRA, o Flamengo propôs que a métrica fosse alterada pelo número de cadastro de torcedores. Cadastro não é audiência, e não se enquadra e nem é mencionado no critério previsto no Estatuto. A proposta de alteração do cálculo de audiência para cadastro que o Flamengo defende pública e judicialmente foi levada à votação em Assembleia Geral da LiBRA e foi rejeitada pelos demais oito clubes da Série A integrantes da LiBRA. Considerando que foi apenas o próprio Flamengo quem votou favoravelmente e buscou via judicial para reverter a decisão colegiada, é falso que o clube não busca uma “virada de mesa” por meio da Justiça.
4. É falso afirmar que o Estatuto da LiBRA assegura um “valor mínimo garantido” em benefício do Flamengo. Qualquer mínimo garantido só seria aplicável em benefício de todos os Clubes caso a Libra viesse a se tornar a realizadora do Campeonato. Supomos que o Flamengo saiba que o Campeonato Brasileiro Série A seja organizado pela CBF e que, portanto, tal “garantia” não se aplica no atual
5. É falso que o Flamengo tenha votado contra a mudança das regras. Ocorreu exatamente o contrário. O Flamengo foi o único Clube que propôs a alteração do Estatuto para substituir o critério de audiência para o critério de Uma proposta que foi avaliada e rejeitada por todos os demais Clubes de Série A votantes.
6. É falsa a alegação do Flamengo de que precisaria fazer uso de uma liminar para evitar prejuízos. O contrato atual tem vigência de cinco anos e comporta mais de R$ 6 bilhões em benefício de todos os seus Clubes. Montante suficiente e tempo hábil para que qualquer eventual recomposição pudesse vir a ser realizada em caso de uma votação unânime por alteração em qualquer uma das regras de distribuição de receita. É impossível que o Flamengo sofresse um prejuízo.
Vale lembrar que, se o Flamengo realmente tem interesse em dialogar por um acordo, ou tem a convicção de que está certo, o próprio Clube não faria uso de um expediente liminar desnecessário, e discutiria se está certo no mérito em Mediação ou Arbitragem.
Por que estamos tendo que esclarecer todas essas dúvidas por meio de comunicados à imprensa e não em ambiente técnico e dentro da própria Libra? Por que o Flamengo preferiu esse caminho ao invés de manter a discussão internamente? O Flamengo demonstra que há outros objetivos em seus movimentos. Questionar os fatos e distorcê-los para conseguir apoio midiático com base na desinformação é querer viver uma realidade paralela, de imposição econômica, sem qualquer fundamento coletivo. Uma visão antiquada e solitária.
Blocos de comercialização coletiva, como a Libra e como a LFU, ou uma Liga, quando formada, representarão tudo aquilo que o Flamengo aparenta contrapor nesse momento: a coletividade na negociação de direitos, ampliação de valor e receita, desenvolvimento de qualidade de produto e internacionalização.
Juntos os clubes não valem mais, valem muito mais. Separados os clubes não apenas valem menos, eles destroem também o valor em toda a cadeia de negócios que cerca e faz parte do futebol. Em vez de trabalharmos pelo futuro do futebol brasileiro, estamos aqui presos a uma discussão antiga e repetitiva sobre quem ganha mais – e sobre quem quer ganhar ainda mais –, enquanto os assuntos importantes restam à margem do debate.
A LiBRA tem um respeito absoluto pela instituição Flamengo, pela sua história emblemática, por suas muitas conquistas e, principalmente, por sua torcida – essa, que merece o futebol brasileiro que Flamengo se nega a construir. No entanto tem também o mesmo respeito por todos os seus demais membros, todos os clubes do futebol do Brasil e todos os seus milhões de torcedores apaixonados.
O futebol brasileiro não tem um dono.
Tem milhões.
Tem 212 milhões de donos.
*Reportagem produzida com auxílio de IA