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Choveu aqui (por Tânia Fusco)
E não foi dinheiro de emendas parlamentares.
Choveu ou não choveu é comunicado importante. Pipoca nos grupos digitais de amigos, colegas, vizinhos. Neste começo de outubro, em Brasília, traduz a ansiedade por água caída do céu, depois de mais de 160 dias sem chover.
A turma do choveu aqui, mesmo sendo pouca água, provoca imensa inveja no grupo dos Aqui-nem-uma-gota-ainda. Este é o grupo lascado. O ainda contem uma esperança de que, antes que eu termine esta frase, chova.
Chova logo. Chova muito. Em Brasília e Brasil afora. São desejos dos brasileiros, como nunca, assombrados com calor e fogo.
O Planalto Central tem duas estações – a das chuvas, que costuma durar de setembro a março. Às vezes, chegando a abril.
A seca faz caminho contrário. Vai de março a setembro. Podendo avançar por outubro, como agora. E racha tudo – solo, madeira, metal, cabelo, pele, pulmão, unhas, lábios nariz. Mais longa, mais estragos.
Na capital federal, agora, a chuva é desejada em tal grau que, ao desabar sobre a cidade, deveria merecer uma festa, dessas a céu aberto e sem hora para acabar. Festa de lavar corpo e alma.
Seca, como deste ano, só aconteceu em 1963. Quando Brasília engatinhava. Agora, outubro avança. Por enquanto, nem as cigarras cumprem a palavra. Até cantam, mas só trouxeram chuva de curta duração, salteada pelo Plano Piloto e por algumas das cidades satélites.
Não há cavado* que garanta chuva de brotar a grama e verdejar canteiros, jardins, quintais, bosques e parques. Por enquanto, desses milagres que a natureza nos oferece, resistem as mangueiras e abacateiros que, ignorando a seca, seguem carregadas de mangas e abacates verdes, prometendo fartura na madureza. Zangados com a quentura, nem os ipês foram tão exuberantes neste ano.
A chuva tem sido assunto e drama no país. Ora porque pouca ou ausente, ora porque muita, incapaz de ser absorvida pelo mundo de concreto (mal cuidado) que nos cerca. Vide Rio Grande do Sul.
Em Brasília, a chuva é sempre um acontecimento, precedido de calor infernal e do costumeiro canto farto, insistente e ensurdecedor das cigarras. Neste ano, elas têm cantado pouco e timidamente. Pra nosso desespero.
Na segunda feira, 7, o céu derramou chuvas esparsas pelo DF. Como se fosse pequena entrada e promessa de sabor e fartura no prato seguinte – o principal, a chuvarada.
Vale o desejo. Que caia água logo, no mesmo volume e persistência do dinheiro** que regou municípios, campanhas eleitorais e reeleições.
Que a chuva, enfim, como benção ou desaforo, chegue na mesma fartura dos recursos advindos do antigo orçamento secreto, das emendas de relator e principalmente das emendas individuais e de bancadas – as duas últimas na modalidade de execução obrigatória.
Chuva de execução obrigatória seria o justo, a perfeição.
*Cavado é o nome dado a uma área de instabilidade que favorece a formação de nuvens de tempestade.
**O total de emendas parlamentares para 2024 é de R$ 44,67 bilhões, sendo R$ 25,07 bilhões em emendas individuais, R$ 11,05 bilhões em emendas de comissões e R$ 8,56 bilhões em emendas de bancadas estaduais. As emendas individuais e de bancadas são de execução obrigatória. As emendas de bancada são apresentadas após discussão entre os deputados e os senadores de um mesmo estado. (Fonte: Agência Senado).
Tânia Fusco é jornalista
