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Brasil e Mundo

Aumento no número de deputados: entre todas as opções, o Congresso escolheu a pior

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O projeto aprovado pela Câmara ignora a necessidade de adequação da representatividade proporcional à realidade demográfica e gera dezenas de milhões de reais em despesas permanentes

WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
PL aumenta o número de deputados para 531 enquanto poderia redistribuir proporcionalmente as 513 cadeiras já existentes

A Câmara dos Deputados vive uma situação interessante. É uma casa democrática que resiste à essência da democracia: a representação. Congelada há mais de três décadas, a distribuição das cadeiras por estado não reflete há tempos a realidade demográfica do país. Em agosto de 2023, em resposta a uma ação ajuizada pelo governo do Pará, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Congresso seguisse o que determina a legislação e atualizasse a proporção de suas cadeiras. A resposta dos deputados, no entanto, indica que o Congresso prefere preservar confortos políticos imediatos a enfrentar um desafio democrático real.

A situação é preocupante. O Projeto de Lei Complementar (PLP 177/2023), que está na pauta do Senado Federal, escolhe o atalho mais confortável para a política: aumenta o número de deputados para 531, ao invés de redistribuir proporcionalmente as 513 cadeiras já existentes. O custo adicional, estimado em R$65 milhões por ano, é tratado com naturalidade por seus defensores, que asseguram que o valor virá do “orçamento da Câmara” –como se fosse abastecido de forma autônoma pela Casa e não pelos impostos pagos pelos brasileiros.

A política brasileira tinha três caminhos possíveis para reagir à decisão do Supremo. O primeiro caminho seria finalmente fazer o certo: revisar a proporcionalidade de forma efetiva, acabando com os limites mínimo e máximo de deputados por estado, e adotando a representação verdadeiramente proporcional na Câmara dos Deputados. O segundo caminho, menos ousado, seria cumprir a lei de 1993 e utilizar os dados mais recentes, mantendo o piso e teto de cada estado, diminuindo a distorção sem gerar novos custos.

Os deputados, no entanto, escolheram o terceiro caminho, o mais conveniente para si mesmos. O projeto aprovado pela Câmara ignora a necessidade de adequação da representatividade proporcional à realidade demográfica, despreza a determinação judicial para que fossem mantidas as 513 cadeiras, e gera dezenas de milhões de reais em despesas permanentes. Entre o aperfeiçoamento institucional e o interesse político imediato, escolheram ficar com o segundo.

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E ainda temos o efeito cascata. Como o número de deputados estaduais em cada Assembleia Legislativa é calculado com base na bancada federal, a criação de novas cadeiras em Brasília gerará automaticamente dezenas de novas cadeiras nas assembleias estaduais. Estimativas já apontam que o impacto somado da ampliação federal e estadual pode ultrapassar os R$140 milhões anuais. Ou seja, além de não resolver o desequilíbrio representativo, o projeto cria novos cargos e multiplica custos em todos os cantos do Brasil.

Essa abordagem é um retrocesso. Além de aumentar o tamanho e o custo do Congresso, sem exatamente corrigir as distorções da representatividade na Câmara dos Deputados, a proposta aprovada pela Câmara também estabelece um perigoso precedente: a tendência de aumento na quantidade de parlamentares, sempre que houver um novo Censo –ignorando a real proporção de brasileiros por estado e, especialmente para os políticos, suprimindo o desconforto político da redução de cadeiras em estados com declínio populacional.

A escolha por soluções políticas de curto prazo, mesmo que seu custo seja abrir mão de uma oportunidade de aperfeiçoamento institucional, não é um problema peculiarmente brasileiro. Políticos de outros países também tomam decisões que acomodam seus próprios interesses e empurram a conta para a população.

Mas por aqui enfrentamos tempos turbulentos na política, com absoluta necessidade de recuperação da credibilidade das nossas instituições, e o Congresso deveria nos surpreender positivamente, optando pela racionalidade democrática, pela valorização dos princípios constitucionais de representatividade, e pela responsabilidade fiscal.

A sociedade brasileira merece uma representação justa, com uma política que trabalhe de forma eficiente e fiscalmente responsável em seu favor. Porque o que está em jogo não são apenas números, mas o fortalecimento de princípios democráticos fundamentais.

* Magno Karl é cientista político e diretor executivo do Livres

Esta publicação é uma parceria da Jovem Pan com o Livres
O Livres é uma associação civil sem fins lucrativos que reúne ativistas e acadêmicos liberais comprometidos com políticas públicas pela ampliação da liberdade de escolha

 

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.





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